Sobre o ensino religioso e outros mitos

Sobre o ensino religioso e outros mitos
Muitos discutem acerca da questão do ensino religioso no Brasil, mas o que se vê no debate público é bastante diferente do que foi e do que no geral tem sido, na realidade, a educação religiosa nas escolas.
 
Nunca houve, propriamente, algo que possamos chamar de uma forma de proselitismo por parte do educador brasileiro no que se refere à religião. Muito pelo contrário, distante de todas as opiniões que por ventura possam existir, o nosso educador, mesmo quando é alguém de fé, não se constrange um só segundo ao falar dos supostos “crimes” da Igreja ou da religião em geral ao longo da história. Mas, afinal, por que deveriam eles sentir-se constrangidos por isso? Não é tudo tão autoevidente?
 
Por falar em história, são nas aulas dessa mesma disciplina que toda a glória da Idade Média, que é atualmente mais que nunca apresentada pela historiografia moderna, é deixada de lado, mas as “trevas” que supostamente possam ter existido naquele período são supra-citadas. Ainda se relatam absurdo como, por exemplo, o do uso de cintos de castidade no período medieval. Qualquer pessoa minimamente interessada em aprofundar-se quanto ao uso de tal estrovenga tão-logo descobrirá que, na realidade, era impossível que as mulheres medievais fizessem o uso daquilo. Observando de perto, é impossível imaginar uma mulher submetida a tal instrumento de metais pesados, duros e cortantes, trancados com cadeados enormes e que as impediam de caminhar livremente e até de se sentar. Os tais utensílios de tortura provocariam feridas e lesões profundas na pele com o passar dos dias, além de infecções vaginais e anais numa época em que era impossível curá-las. Em suma, tal instrumento condenaria que o usasse à morte. Não são poucas as obras historiográficas modernas que confirmam tratar-se de um mito o uso de cintos de castidade no período medieval. 
 
Fala-se ainda, nas aulas de história, que o homem medieval pensava que a terra era plana e que Colombo temia cair no “fim do mundo” ao partir para a sua grande jornada. Não é de se admirar, eu tivesse um professor de história que jurava de pé junto que Napoleão invadiu a Inglaterra. Eu até cheguei a questionar se o conquistador francês realizou tal feito a nado.
 
Mas não basta o ridículo e o ato criminoso que é colocar na cabeça do aluno tamanha caraminhola, é preciso disseminar mitos e inverdades. 
 
Voltaire, no século 18, usou o conceito de castidade como uma representação da estupidez do homem. Mal sabia ele que promover inverdades era muito mais nocivo à integridade intelectual de um individuo do que manter-se casto. Trinta anos depois, um outro idiota, também clamado como um dos pais do Iluminismo, Diderot, o apresentou como símbolo da escuridão no Medievo e é o que tem sido transmitido geração após geração.
 
É impossível, por exemplo, que um aluno do ensino fundamental e médio no Brasil saiba que foram os monges beneditinos que salvaram a agricultura por 1500 anos. Cabe a estudiosos como Henry Goddell, presidente do Massachusetts Agricultural College, explicar como os monges escolhiam os lugares mais longínquos e inacessíveis para viver na solidão. Cabe ao estudioso explicar como eles lá secavam brejos e limpavam florestas, de maneira que a área ficava apta a ser habitada. As cidades nasciam em torno dos conventos.
 
Caso clássico é o entorno da abadia de Thorney, na Inglaterra, que era um labirinto de córregos escuros, charcos largos, pântanos que transbordavam periodicamente, árvores caídas, áreas vegetais podres, infestados de animais perigosos e nuvens de insetos. A natureza abandonada a si própria, sem a mão ordenadora e protetora do homem, encontrava-se no mais absoluto caos.
 
Cinco séculos depois, o grande historiador inglês Guilherme de Malmesbury (1096-1143) descreveu assim o mesmo local: "É uma figura do Paraíso, onde o requinte e a pureza do Céu parecem já se refletir. [...] Nenhuma polegada de terra, até onde o olho alcança, permanece inculta. A terra é ocultada pelas árvores frutíferas; as vinhas se estendem sobre a terra ou se apoiam em treliças. A natureza e a arte rivalizam uma com a outra, uma fornecendo tudo o que a outra não produz. Oh profunda e prazenteira solidão! Foste dada por Deus aos monges para que sua vida mortal possa levá-los diariamente mais perto do Céu!” (p. 31). Mais tarde o protestantismo reduziu Thorney a ruínas, mas estas ainda emocionam os turistas.
 
Aonde chegavam, os monges introduziam grãos, indústrias, métodos de produção que o povo nunca tinha visto. Selecionavam raças de animais e sementes, faziam cerveja, colhiam mel e frutos.
 
Na Suécia, criaram o comércio de milho; em Parma, o fabrico de queijo; na Irlanda, criações de salmão; por toda parte plantavam os melhores vinhedos. Até inventaram a cerveja como a conhecemos hoje e a champagne, além sempre dos melhores licores.
 
Represavam a água para os dias de seca. Os mosteiros de Saint-Laurent e Saint-Martin canalizavam água destinada a Paris. Na Lombardia, ensinaram aos camponeses a irrigação que os fez tão ricos. Cada mosteiro foi uma escola para explorar os recursos da região. Devemos aos beneditinos o florescimento da sociedade capitalista que sucedeu o período feudal, tal como a expansão da sua técnica. 
 
Seria muito difícil encontrar um grupo, em qualquer parte do mundo, cujas contribuições tivessem sido tão variadas, tão significativas e tão indispensáveis como as dos monges do Ocidente na época de miséria e desespero que se seguiu à queda do Império Romano.
 
Quem mais na História pode ostentar semelhante feito? – indaga o historiador Thomas Woods.