Casos recentes de exposição da intimidade de mulheres na internet, como o da adolescente de 17 anos que se suicidou após ter um vídeo íntimo divulgado na rede por um ex-namorado, têm suscitado no Brasil um debate sobre machismo. Para Monalisa Barros, psicóloga e membro do Conselho Federal de Psicologia, o fenômeno, conhecido como pornografia de vingança, é uma reedição da violência de gênero, nova modalidade de violência contra mulher.
— O Brasil tem números absurdos de violência de gênero. A sociedade trata a sexualidade da mulher como algo passível de diminuí-la. Você não vê pessoas culpando um homem por ser exposto em vídeo. A sociedade ainda valoriza o exercício sexual do homem, mas deseja ver o exercício sexual da mulher ocultado. Quando isso vaza na internet, as pessoas veem a culpa na mulher. Ela passa de vítima a ré — completa Monalisa.
Os casos de pornografia de vingança revelam a desigualdade entre homens e mulheres, pois nossa sociedade não aceita que mulheres exponham sua sexualidade, concorda Carmita Abdo, coordenadora do programa de estudos em sexualidade da USP.
— Desde que o mundo é mundo, a rejeição leva a atos de vingança. Mas, hoje, com a tecnologia digital, a internet e as redes sociais, a vingança toma proporções gigantescas. Muita coisa mudou e evoluiu. A nova geração vive uma sexualidade mais livre. Mas casos extremos como a morte dessa adolescente nos revelam que ainda há limites — avalia Carmita.
Tornar público algo íntimo, como a sexualidade, ganha uma dimensão muito ampla para um adolescente, segundo Alexandre Saadeh, professor de Psicologia da PUC-SP.
— Na nossa cultura machista, filmar um homem transando é ponto positivo, a não ser que ele tenha pênis pequeno A menina normalmente fica com a pecha de vagabunda, pervertida. Para uma adolescente, a situação é mais dramática. A jovem se sente humilhada, como se comprometesse sua vida inteira. O adolescente acredita no afeto, no amor, e se envolve em situações que podem ser brincadeira, mas que na internet podem passar como preferência sexual — diz Saadeh.
No Congresso, tramita um projeto de lei criado pelo deputado federal Romário (PSB-RJ) que prevê penas de um a três anos contra o responsável pela divulgação de vídeos ou fotos íntimas. Segundo o deputado, a criminalização desses atos servirá para evitar que mulheres sejam “subjugadas por uma sociedade hipócrita que reprime a sexualidade feminina”.
— O projeto tramita em conjunto com outros que falam sobre a proteção contra condutas ofensivas contra a mulher na internet ou em outros meios de propagação da informação. Estou confiante de que a tramitação será rápida, tendo em vista a rápida propagação desses crimes —afirma o deputado, completando: — As adolescentes estão aprendendo a se relacionar e não sabem lidar com sentimentos gerados por esse crime: tristeza, vergonha e desespero. Recomendo às jovens que procurem apoio da família e denunciem os agressores à polícia, porque são vítimas e não têm culpa por terem sua intimidade divulgada em redes sociais por pessoas em que até então confiavam.
O Globo FONTE